A deputada angolana Irene Neto, do MPLA – filha do primeiro
Presidente de Angola, Agostinho Neto (1922-1979), e da escritora Maria
Eugénia Neto -, considera que a atual Constituição “limita a
democracia”. Numa entrevista ao “Novo Jornal”, a parlamentar diz que a
atual Constituição da República de Angola (CRA) “não serve os
interesses estratégicos da Nação”, critica a governação de José Eduardo
dos Santos e o presidencialismo “quase imperial” e admite a
possibilidade de no futuro se candidatar a Presidente da República.
Afirma também que após a morte do pai foram cometidos “desvios
monumentais”
“A CRA precisa de ser alterada porque limita a democracia, restringe
as liberdades fundamentais e bloqueia o funcionamento de uma economia de
mercado (…), porque concentra e centraliza o poder numa única pessoa”,
afirma
A CRA instituiu um presidencialismo “quase imperial” que asfixia a
democracia e desmantela os contrapoderes, constata a filha do dirigente
da luta de libertação nacional contra o colonialismo português e
primeiro presidente de Angola.
Irene Neto considera que a concentração pessoal do poder de decisão
bloqueia a economia “que necessita de liberdade e de escolhas rápidas,
diárias, racionais e informadas”.
“Angola é demasiado grande e complexa para depender de uma única
pessoa. Atualmente é impossível decidir sobre tudo. O engarrafamento e
os atrasos nas decisões prejudicam a economia. Angola é um país livre
com cidadãos racionais. A democracia demanda divisão de trabalho e de
poderes. Demanda contrapoderes, descentralização e equilíbrios”, avalia
Irene Neto, numa alusão ao regime de José Eduardo dos Santos, no poder
em Angola há quatro décadas.
Assembleia “esvaziada, passiva e subalternizada”
Irene Neto considera igualmente que a interpretação da CRA feita pelo
Tribunal Constitucional restringiu a ação dos deputados cuja
competência de controlo e fiscalização da ação governativa passou a ser
exercida apenas através da análise e aprovação do Orçamento Geral do
Estado, da Conta Geral do Estado e autorizações específicas ao poder
Executivo.
Nesta situação, a Assembleia Nacional (AN, Parlamento) ficou
“esvaziada, passiva e subalternizada” e perdeu iniciativa e autonomia,
diz a deputada na entrevista ao Novo Jornal.
“A questão da separação dos poderes, executivo e legislativo, com
base neste sistema de base presidencial, em que o Executivo é um órgão
unipessoal, com independência política em relação à Assembleia Nacional,
apesar de advir de um sistema de eleição parlamentar, frena a
possibilidade de haver uma fiscalização mais direta”, enfatiza.
Para a deputada do partido maioritário, trata-se de uma subordinação
política “inaceitável”, porque o âmbito da função política da Assembleia
Nacional “fica subtraído de certa forma, pois limita-se a sua ação à
função constitucional principal, que é a função legiferante”.
Na entrevista, Irene Neto defende a necessidade de os políticos serem
coerentes, lembrando que o facto de o slogan do seu partido ser
“corrigir o que está mal” é revelador de que o MPLA “reconhece que há
insuficiências, há erros e práticas nocivas”.
“Não sou a única pessoa no MPLA que o vê e diz. Se assim fosse, este
slogan não teria surgido. Quando um candidato presidencial se baseia
nesta linha de rumo, está tudo dito”, afirma, acrescentando que muitos
colegas seus no Parlamento, se não todos, “partilham a minha opinião”.
O MPLA tem de mudar para melhor e tem de praticar o que apregoa, não
fazer letra morta dos seus princípios fundacionais e “não brincar com o
povo”, diz.
“Desvios monumentais”
A parlamentar condena também o que chama de “desvios monumentais,
descarados e obscenos” ocorridos no país, logo após a morte do seu pai,
criando-se “um clima de impunidade que a guerra civil, prolongada
desnecessariamente, permitiu e a mudança de regime político acelerou”.
Na entrevista, Irene Neto denuncia a criação de uma “burguesia
nacional escolhida a dedo e não por mérito próprio, com a delapidação do
erário público para a acumulação primitiva de capital de alguns eleitos
em detrimento da maioria”.
Sobre a hipótese de um dia se candidatar a Presidente República, ela
não descarta esta possibilidade, exprimindo a sua convicção de que se
tal acontecer terá “certamente” o apoio dos militantes do MPLA. África 21
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